É típico do
Evangelho de São João que seja atribuída a São João Batista a primeira
afirmação sobre o sacrifício do Cristo. Segundo o Apóstolo, o Precursor teria
proclamado, na primeira aparição de Jesus: “Eis
o Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo!” (Ev. segundo São
João 1:29).
O Batista havia predito
a chegada de alguém que vinha após ele, mas era antes dele, porque o precedia
(em relevância): “Este era aquele de quem
eu dizia: O que vem após mim é antes de mim, porque foi primeiro que eu” (Idem,
1:15; 30). É este mesmo João Batista que testemunha ter visto “... o Espírito descer do céu como uma pomba e
permanece sobre Ele” (Ibidem, 1:32). Eis o porquê de afirmar também já
reconhecer Jesus por seus sinais, mesmo antes de ele conhecê-lo pessoalmente –
“E eu vi e tenho testificado que Este é o
Filho de Deus” (Ibidem, 1:34).
A revelação destas
profecias ocorre, evidentemente, quando se é realizado o batismo de nosso
Senhor. É neste momento, de acordo com os Evangelhos sinóticos, que o Espírito
Santo vem sobre Jesus, enquanto a voz do céu declara-O “Filho amado de Deus” (São Mateus 3:16-17; São Marcos 1:10-11, e; São
Lucas 3:22). É este o cenário em que o Batista chama Jesus de “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do
mundo”.
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"Eis o Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo!" |
A metáfora – Para
expor esta identidade do Cristo – o Cordeiro de Deus – São João Batista vale-se
de uma metáfora que combina a evocação de três imagens bíblicas. Podemos
elencá-las em ordem.
Em primeiro lugar, ao
fato do Cordeiro de Deus ser invocado para levar embora o “pecado”. Certamente o Precursor faz aqui uma referência à prática
judaica descrita no Antigo Testamento – chamado chatta'ah – que significa
literalmente “oferta pelo pecado”. A
finalidade deste sacrifício era curar e reparar o estado espiritual degradado,
maculado — o eu interior, o nephesh — daquele que ofendeu a Deus de alguma
maneira relativamente grave. O “pecado”
(chet') a ser expiado no contexto deste sacrifício não era tanto o ato pecaminoso
em si, mas o desregramento, a falta de ponderança e observância que resultaram
da sua falha moral, física ou social. O chatta'ah, portanto, não é uma
penitência exigida por Deus, mas antes uma tentativa de retificar, purificar e
consagrar o ser humano, religando-o com Deus.
É significativo,
portanto, que o Cordeiro de Deus é chamado para levar embora o “pecado do mundo”, não os pecados do
homem. São João Batista tem em mente, assim, a percepção de um mundo, uma
humanidade caída, não das falhas individuais das pessoas.
Considerando que um carneiro,
um novilho, foi vítima prescrita no chatta'ah do Antigo Testamento, Jesus é
identificado como “o Cordeiro que tira o
pecado do mundo”. João Batista não inventou essa mudança na imagem. Veio de
outra fonte bíblica: o livro de Isaías.
É neste texto que
aparece a indicação que aparecerá a descrição do servo de Deus sofredor: “Ele foi oprimido e afligido, mas não abriu a
sua boca; como um cordeiro, foi levado ao matadouro, e como a ovelha muda
perante os seus tosquiadores, assim ele não abriu a sua boca” (Isaías
53:7). São João Evangelista segue igualmente este caminho ao identificar Jesus
como o servo sofredor, declarando que o Pai “enviou o seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para
que o mundo fosse salvo por Ele” (John 03:17).
Assim, quando João
diz que o Filho do Homem "deve ser elevado"
(dei hypsothenai) (03:14; cf. 08:28;
12:32), ele está mais uma vez invocando a profecia de Isaías que o servo do Senhor
"será levantado acima" (hypsothesetai, 52:13 Isaías 70).
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O Cordeiro imolado. Cristo faz-se oferenda para salvar a humanidade de seus pecados. |
É instrutivo
observar que em Isaías 53:4-7, onde o servo (neste caso o próprio Cristo) é
comparado à oferenda, a vítima imolada é identificada como um cordeiro, não
pelo pecado — como na Torá — um novilho, mas o próprio Filho de Deus pelo mundo.
Este texto de Isaías é a lente através da qual São João Apóstolo e os outros
autores do Novo Testamento lêem a Torá (Êxodo 29, Levítico 4; Números 28),
quando eles tratam o sacrifício de Jesus como uma oferta pelo pecado.
Em terceiro lugar, a
referência de João Batista a Jesus como “o
Cordeiro de Deus” também evoca a imagem do cordeiro da Páscoa, pois os
holocaustos neste tempo claramente fazem alusão não à libertação dos pecados
individuais, conforme afirmado anteriormente, mas especialmente à redenção de
Israel da escravidão do Egito idólatra. A oferta de Páscoa era, de fato, o
único sacrifício de Livramento.
As prescrições que
regem este sacrifício, que melhor expressa, indiscutivelmente, a substância da
fé hebraica, foram dadas a Israel antes da chegada do povo no Sinai. Na
verdade, elas foram dadas mesmo antes do Egito ao povo escolhido! (Cf. Êxodo
12:43-13:16)
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Disse o Precursor: "Eu vos batizo com água para arrependimento; porém virá Aquele que vos batizará com o fogo do Espírito Santo" |
O significado
teológico deste sacrifício particular levou os cristãos a interpretar o Cordeiro
Pascal como um tipo ou figura de Cristo, que foi morto para arrancar a raça
humana da escravidão demoníaca. Por esta razão, São João, o Evangelista, ao
explicar por que os soldados não quebraram as pernas de Jesus crucificado, cita
um verso originalmente pertinente para os cordeiros imolados na Páscoa: “Porque isso aconteceu para que se cumprisse
a Escritura, que diz: Nenhum dos seus ossos será quebrado. E novamente diz
outra escritura: Verão aquele que transpassaram” (Ev. segundo São João, 19:
36-37). O Apóstolo tem o cuidado, inclusive, de identificar a ocasião quando
este verdadeiro Cordeiro pascal foi preparado para o sacrifício: “E era a preparação para a Páscoa, e quase à
hora sexta; e disse aos judeus: Eis aqui o vosso Rei” (Idem, 19: 14).